É quase impossível não perceber a profusão de casos de agressão à mulher e de feminicídios. Não há um dia sequer em que não nos deparamos com notícias sobre isso. E, levando-se em conta que casos envolvendo famosos sejam mais noticiados, podemos imaginar a quantidade de agressões que abundam nos diferentes meios sociais, sem que sejam veiculadas.

Um olhar atento sobre o passado nos mostra que a sociedade brasileira engendrou-se sob um ideário predominantemente masculino. Aliás, na história da humanidade, a mulher foi relegada a um segundo plano e isso é impossível negar. Legitimava-se, inclusive, no Brasil, até há pouco tempo, o poder do marido sobre a esposa, submetendo-a a seus mandos e desmandos.

A mulher era educada para o mundo da dona de casa, haja vista, por exemplo, a maioria dos brinquedos que se destinam às garotas, que as fazem brincar de casinha e se espelhar nas princesas salvas pelo príncipe encantado, como se fossem frágeis e incapazes de se defenderem sozinhas. Como se o seu destino fosse criar filhos e manter o lar em ordem, enquanto o marido trabalha fora.

Não é fácil ser mulher nesse mundo. Não é fácil ser mulher e ter sonhos pessoais, querer ser dona de si, querer igualdade de direitos e de tratamento por parte das pessoas, do mercado de trabalho, da justiça. Não é fácil ser mulher e não querer ser encarada como objeto. Não é fácil ser mulher e viver de acordo com o que vibra o seu coração, quando esse viver contradiz o que a sociedade normatiza como adequado.

A agressão à mulher, por sinal, nem sempre é física. Há que se atentar para o abuso psicológico, para o assédio verbal, que machuca da mesma forma. E a agressão vai além do momento, pois, quando uma mulher resolve denunciar e procurar a justiça, ainda terá que reviver o pesadelo, confrontar-se com a dor, que precisará ser exposta, para convencer quem a ouve.

Quando uma mulher é agredida, ela ainda terá que provar que não é interesseira, que não mereceu apanhar, que não está inventando. Ela ainda terá que ser posta em dúvida, que ouvir desaforos, que provar que é realmente uma vítima. Logicamente, é necessário colher evidências e ouvir as partes envolvidas, pois a justiça trabalha com provas e é assim que deve ser.

No entanto, assim que uma mulher se diz vítima de agressão, há sempre comentários que envolvem sua índole, seu comportamento, seus antecedentes, como se a possibilidade de haver farsa ou mesmo de ela ter provocado aquilo fosse a primeira coisa que a maioria das pessoas pensa. Culpabilizar a vítima é bem mais recorrente quando o caso envolve uma mulher sendo agredida, física ou moralmente.

A agressão à mulher não acaba quando ela para de apanhar ou para de sofrer violência psicológica. A coisa vai longe.

Imagem: Andrew Neel